A crise climática tem sido um tema central na agenda do filantropo americano Bill Gates, que recentemente rejeitou na sua última tese a ideia de que as alterações climáticas podem acabar com a humanidade.
O co-fundador da Microsoft não nega as “consequências graves” das alterações climáticas, “especialmente para as pessoas nos países mais pobres”, mas critica uma “visão apocalíptica” sobre o assunto.
“A crise climática não vai realmente acabar com a humanidade”, começa por explicar à CNN Portugal Francisco Ferreira, presidente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável. “Mas aquilo que falha no discurso de Bill Gates é que se a humanidade não tratar as alterações climáticas como uma grande prioridade, juntamente com o combate a outras desigualdades, as populações mais vulneráveis nos países menos desenvolvidos irão ver a sua situação muito agravada”, continua.
Francisco Ferreira defende principalmente uma posição de equilíbrio entre as necessidades fundamentais, que configuram objetivos de desenvolvimento sustentável, e a prioridade atribuída às alterações climáticas, pois “até poderíamos conseguir retirar muitas pessoas da fome, melhorar a sua saúde e fornecer água potável, mas depois vem a grande tempestade e milhões de pessoas ficam sem lar, como aconteceu no Paquistão em 2022”, referindo-se às grandes inundações que causaram mais de mil mortos e desalojaram cerca de 300 mil pessoas.
Para o responsável, a crise do clima representa um problema “grave e simples”: “Se não resolvermos as alterações climáticas, não conseguiremos garantir que os investimentos que estamos a fazer nessas necessidades básicas sejam eficazes.” O engenheiro ambiental destaca a importância de uma abordagem preventiva em relação às alterações climáticas, dado que suas consequências “contrariarão os outros esforços”.
Vindo de um dos maiores defensores da redução das emissões de carbono – que se apresenta como ativista climático – o ensaio de Bill Gates surpreendeu a comunidade científica.
Para justificar a sua mais recente posição, o bilionário afirmou que “as alterações climáticas, as doenças e a pobreza são todos problemas graves”, mas “devemos lidar com eles de forma proporcional ao sofrimento que causam”. Este argumento é apoiado pela presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, Isabel Jonet, que ressalta a importância de “cuidar primeiro que tudo das pessoas”.
“Todos os problemas que afetam o ser humano devem ser priorizados. Devemos dar atenção primeiramente aos impactos sobre as pessoas, a fome, a pobreza e a falta de acesso à saúde e à água potável, por exemplo, que são fundamentais para uma vida digna”, enfatiza.
Ao reforçar o apelo ao cuidado da população, a responsável reconhece que os problemas climáticos também afetarão a qualidade de vida, mesmo que com “efeitos de médio ou longo prazo”. Isabel Jonet sublinha que “não se deve descurar os impactos das alterações climáticas, mas não podem ser a única preocupação”.
Para Bill Gates, o alarmismo em torno das alterações climáticas está a desviar a atenção do que “deve contar ainda mais do que as emissões e as mudanças de temperatura”: melhorar a vida das pessoas.
“O nosso principal objetivo deve ser evitar o sofrimento, especialmente para aqueles que vivem em condições mais difíceis, nos países mais pobres do mundo”, ratifica.
O presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro, Vítor Veloso, questiona a equidade no combate entre doenças e alterações climáticas. Ele admite que desastres naturais agravados pela crise climática podem afetar a saúde das pessoas. “Por exemplo, os últimos furacões que destroem tudo o que é básico, como saneamento, habitações e alimentos, são extremamente importantes e terão um impacto direto ou indireto na saúde da população”, reitera.
O responsável atribui às doenças infecciosas e ao câncer uma grande parte das mortes a nível mundial e destaca que o que está a ser feito pelos governos em relação à prevenção de doenças é “completamente insuficiente”. No entanto, não subestima a atenção que tem sido dada às alterações climáticas, alertando para as consequências “arrasadoras” que podem ter para a vida humana.
Igualmente, para o presidente da associação ZERO, as necessidades básicas da população devem ser consideradas uma prioridade. “Nos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável existe uma ordem de prioridades: a questão da saúde, da fome e da pobreza são os primeiros, enquanto a ação climática é o 13.º objetivo”, insiste. “Mas não tenhamos dúvidas de que se não houver uma parte significativa do investimento destinada à redução das emissões, principalmente dos países desenvolvidos, teremos catástrofes climáticas mais frequentes e mais dramáticas”, conclui Francisco.
