(CNN Autárquicas 2025) –A transição do confronto corpo a corpo para a guerra travada no campo digital está a transformar as necessidades das Forças Armadas portuguesas. E esta pode ser uma oportunidade para convencer a geração Z.
A guerra de hoje é “a guerra certa para a geração Z porque é fundamentalmente travada por sistemas e porque só gente muito treinada que cresceu num contexto digital é que tem a experiência dos operadores”, explica o major-general Agostinho Costa, especialista em assuntos de segurança, reforçando que hoje “já não se combate só com os braços e com os olhos. Hoje muito do combate é mental, muito é programação e engenharia.”
“As guerras vão ser diferentes. A ciberdefesa, a parte eletrónica, a interpretação espacial, a interpretação de dados e a inteligência artificial são domínios provavelmente determinantes e nós ainda não demos esse salto”, explica à CNN Portugal o tenente-general Rafael Martins, acrescentando que neste prisma os mais novos, “deixam a milhas os generais, que já vão sendo cibercompetentes”. Fala-se de um combate que deixa de ser apenas físico e abre-se um espaço cada vez maior para aqueles que “apesar de fisicamente não serem os mais robustos, mentalmente são geniais.”
Se é verdade que a ‘nova’ guerra é uma oportunidade, não é menos verdade que a tendência atual não espelha a capacidade militar que o país ambiciona. A meta definida por decreto-lei aponta para um efetivo máximo de 32 mil militares, com o propósito de garantir a capacidade operacional do país. Mas as Forças Armadas portuguesas contam com cerca de 23 mil efetivos – perto de um terço aquém do objetivo definido.
A questão pode ser “estrutural e complexa”, avança Agostinho Costa, mas não parece haver dúvidas de que “o mundo mudou, as pessoas mudaram, a guerra mudou” e o problema é a abordagem ser “a mesma”, acrescenta. Segundo este especialista, a equação que se faz para solucionar o problema da falta de recrutas nas Forças Armadas tem de incluir o enquadramento psicológico e social da atualidade. “O horizonte dos jovens é muito mais largo. Hoje estão aqui, amanhã estão na Suíça, ou no Reino Unido, daqui a um ano em França”, afirma.
Os valores de pertença a uma pátria, o sentido de servir ou o espírito de missão, podem ter deixado de surtir efeito na Geração Z. “Uma certa glória daquilo que é envergar uma farda, já não é vista pela sociedade como anteriormente”, descreve o tenente-general Rafael Martins. O especialista não nega a rigidez da vida militar e admite que esse é um dos principais fatores que pode afastar os jovens de um futuro na tropa: “é castrador porque surge numa altura em que se tem 18 ou 19 anos, em que tudo é possível, e de repente têm de andar fardados todos da mesma maneira, têm de cortar o cabelo, ou apanhar o cabelo no caso das mulheres, e nesse conjunto de restrições a identidade vai-se.”
Há que ter igualmente em conta os tempos que se vivem. O período anterior a 2022 assinala uma realidade distinta da atual, tendo em conta que “o ambiente de segurança não é o mesmo e que atrásra estamos em guerras longas e de alta intensidade”, de acordo com o major-general. Neste cenário, dar a vida pelo país é uma possibilidade que deixa de seduzir e faz crescer, entre os que ponderam enveredar pela carreira militar, o medo antecipado “de poderem vir a ser mobilizados e de serem efetivamente utilizados em combate”. O mesmo se pode dizer de um “sentimento de dever para com os concidadãos”, a chamada ‘honra’, como Agostinho Costa a descreve. Face ao “leque de oportunidades que a vida civil aparentemente nos confere”, a vida de militar corre o risco de passar para segundo plano, sublinha Rafael Martins. O conforto que caracteriza a vida civil, longe dos ‘contras’ da condição militar – “ser destacado, obedecer a regras restritivas, estar afastado do núcleo familiar” – é outro fator que pesa no processo de decisão da camada jovem da população.
“Ultraconservadora, fechada e sem brilho.” É esta a percepção que Rafael Martins acredita que muitos mantêm das Forças Armadas portuguesas. Para tentar mudar isso, os esforços estão a começar a ser feitos no sentido de conservar e valorizar a identidade dos militares. “Quando nós convivemos com as pessoas fora do ambiente militar, fora da farda, e vamos almoçar com eles, é muito mais rico estar ao nosso lado o ser autêntico do que o ser que é o alferes, o tenente, o cabo, que se porta sempre condicionado, que não é um ‘eu’ e parece que é uma peça daquela máquina, e nós somos muito mais do que isso. Agora há uma sensibilidade”, conclui.
Agostinho Costa acrescenta à lista a mudança nas infraestruturas: “Temos de perceber os jovens hoje, naturalmente não vão para um hotel de cinco estrelas, mas também não podem ir para uma tenda”.
O major-general vê ainda a mudança do método de recrutamento como um passo em frente para a alteração do paradigma português. “Se achamos que é normal um cidadão português ir combater na Ucrânia, porque é que um angolano ou um brasileiro não pode servir nas forças armadas portuguesas?” O especialista lança a questão em jeito de contraste com o regime espanhol, onde o serviço militar do país acolhe todos os cidadãos ibero-americanos. Quem segue a mesma lógica é o Reino Unido que abriu as suas Forças Armadas a todos os países pertencentes à Commonwealth, a aliança que reúne as ex-colónias do Império Britânico.
Ainda no campo das soluções, há quem proponha o regresso do serviço militar obrigatório, mas para outros a educação dos cidadãos “no período do ensino secundário”, por exemplo, pode ser por si só uma maneira eficaz de transmitir aos jovens “determinadas técnicas, táticas e rituais que se aproximem daquilo que pode ser necessário para uma condição de combate”, como sugere Rafael Martins.
