Números, Fatos e Uma Conversa Inconveniente para Populistas

Números, Fatos e Uma Conversa Inconveniente para Populistas

António Vitorino é o presidente do Conselho Nacional para as Migrações e Asilo, tendo também liderado a Organização Internacional para as Migrações. Com uma visão baseada em dados e experiências de primeira mão, ele trouxe à tona reflexões sobre a questão das migrações.

Uma conversa inusitada para populistas e disseminadores de desinformação. O Jornal Económico (JE) convidou António Vitorino, uma das principais vozes sobre migrações, para discutir um dos temas “mais controversos nas sociedades europeias”, segundo suas próprias palavras.

“É um elemento extremamente difícil de gerir a nível europeu. Quando fui Comissário Europeu, há 25 anos, as coisas eram bastante mais fáceis. Naquela época, éramos apenas cinco Estados-membros”, recordou.

Durante a entrevista, o presidente do Conselho Nacional para as Migrações e Asilo apresentou números sobre a chegada de imigrantes às fronteiras dos EUA sob a administração Biden e às europeias, especialmente as marítimas. Nos EUA, em média, chegaram cerca de dois milhões de pessoas que ficaram retidas. Na Europa, aproximadamente 300 mil. Contudo, António Vitorino afirmou que esses números devem aumentar, recordando a diminuição da assistência ao desenvolvimento global, que caiu em torno de 30% com o fim da USAID.

Europa e envelhecimento
Para António Vitorino, a solução para as carências resultantes do “sério problema estrutural de envelhecimento da população” europeia e da “inegável” falta de mão de obra em diversos setores “só pode ser alcançada por meio de imigração regular, ordeira e segura”.

Entretanto, ele pede cautela nas projeções. “Não sabemos como será o mercado de trabalho nos próximos cinco anos. Contudo, é evidente que existem margens para o crescimento do mercado de trabalho autóctone. A participação das mulheres no mercado de trabalho ainda está abaixo dos números esperados. A questão da igualdade salarial entre homens e mulheres também influenciará a presença feminina no mercado de trabalho europeu. Além disso, a introdução de robótica e Inteligência Artificial causará uma disrupção total no mercado de trabalho. Portanto, é muito difícil prever quantas pessoas serão necessárias”, explicou.

Refletindo sobre o mercado português, com dados do Fórum Econômico Mundial, Vitorino afirmou que 71% dos empresários portugueses pretendem investir em upskilling e reskilling nos próximos cinco anos. “Há setores da economia onde isso não se realizará tão rapidamente. Temos 40% de imigrantes na agricultura e pesca; 35% na hotelaria e turismo; 21% na construção civil e nos cuidados a idosos”, acrescentou. Portanto, Portugal continuará “a necessitar de imigrantes”.

Quais são os pressupostos para que a migração aconteça de maneira regular, ordenada e segura, e aceite pela sociedade anfitriã? “Não há política migratória bem-sucedida que não inclua essas duas componentes”, afirmou.

Segundo Vitorino, “as pessoas precisam confiar que o sistema de gestão da imigração funciona”. “É necessário recuperar a confiança da sociedade na gestão dos fluxos migratórios”. “A teoria nos ensina e a prática confirma – embora nem sempre seja o caso – que a aceitação pela sociedade anfitriã depende do volume de admissões, considerando a capacidade de integração, e essa correlação é muito importante, assim como o ritmo das admissões”.

No caso português, observou-se um “crescimento muito súbito” em um curto período. Atualmente, “os fluxos mais visíveis, que não são os mais significativos, provêm de regiões que não eram tradicionais”. Os imigrantes do Hindustão, que representam uma nova vaga de migração nos últimos cinco anos, embora sejam um número menor – 70% dos imigrantes vêm de países de língua oficial portuguesa – são “muito visíveis”. “Há uma percepção de que a paisagem mudou. Se calhar não mudou tanto assim. Mas o impacto dessa percepção é muito importante. É tão relevante quanto a realidade”.

Voltando à desinformação, António Vitorino afirmou que as “migrações são um tema muito propenso a fake news, manipulação e verdadeiros delírios narrativos. Isso é algo que persiste há pelo menos 20 anos”.

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