Estamos vivendo uma transformação sem precedentes, impulsionada pelos avanços da Inteligência Artificial (IA), que está moldando economias, sociedades e o cotidiano de todos. Para Portugal, esse cenário representa tanto um desafio — que demanda mais competências digitais, infraestruturas robustas e serviços públicos modernizados — quanto uma oportunidade única para fortalecer a competitividade e criar uma Administração Pública mais inovadora, eficiente e próxima dos cidadãos.
A criação do novo Ministério da Reforma do Estado surge como elemento estratégico para acelerar essa transição e modernizar profundamente a Administração Pública. Este ministério será essencial para alinhar políticas, investimentos e recursos humanos com as metas da Década Digital 2030, garantindo não apenas o cumprimento dos objetivos europeus, mas também resultados concretos na competitividade da economia e na qualidade dos serviços prestados a cidadãos e empresas.
O mais recente relatório da Comissão Europeia sobre a situação da Década Digital confirma o progresso positivo do país, com avanços consistentes na oferta de serviços públicos digitais e liderança no acesso a registros de saúde eletrônicos. A conectividade se encontra em níveis robustos, com quase total cobertura de 5G (98,7%) e redes de alta capacidade (94,6%).
Apesar desses avanços, persistem desafios significativos. A adoção de IA pelas empresas continua sendo limitada (8,6%, muito abaixo da meta de 75%) e as competências digitais básicas estão desigualmente distribuídas na população (56% em comparação com a meta de 80%). O ecossistema de start-ups ainda enfrenta dificuldades no acesso a financiamento, com um número muito reduzido de unicórnios ativos.
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Infraestrutura Tecnológica Competitiva, Soberana e Resiliente
Portugal possui uma infraestrutura de conectividade sólida, com uma cobertura de rede fixa de alta capacidade de 94,6% e cobertura de fibra óptica de 93,2%, ambas superiores à média da UE (82,5% e 69,2%, respectivamente). Esses indicadores posicionam o país entre os líderes europeus, próximo da meta de 100% para 2030. Na rede 5G, a cobertura já atinge 98,7%, também acima da média europeia (94,3%), embora ainda existam desafios na atribuição das bandas pioneiras e na promoção de sua utilização plena.
No que tange às tecnologias emergentes, Portugal quase dobrou a quantidade de edge nodes, passando de 14 em 2023 para 27 em 2024 (+92,9%). Apesar do crescimento acelerado, a meta da UE (10.000) permanece distante.
Entre as PME, 74,3% possuem pelo menos uma intensidade digital básica, superando levemente a média da UE (72,9%), mas ainda longe da meta de 90%. Já a adoção de inteligência artificial não ultrapassa 8,6%, muito aquém da média europeia (13,5%) e do objetivo europeu para 2030 (75%).
No ecossistema de inovação, Portugal continua com apenas um unicórnio (de acordo com os critérios definidos pelo Eurostat), sem qualquer evolução em relação ao ano anterior. Embora o número de start-ups tenha crescido, a meta de dois unicórnios até 2030 é modesta e depende de melhores condições de financiamento.
Capacitar Pessoas, Empresas e Sociedade para a Era Digital
Portugal possui um nível de competências digitais básicas de 56%, alinhado com a média da UE, mas distante da meta de 80%. A divisão digital é evidente entre jovens e idosos, entre cidadãos com diferentes níveis de escolaridade e entre áreas urbanas e rurais.
O número de especialistas em TIC representa 5,2% da população ativa, superando a média da UE (5,0%). No entanto, a meta nacional é de 7% para 2030, inferior ao objetivo europeu de 10%, revelando uma estratégia menos ambiciosa.
Nos serviços públicos digitais, Portugal apresenta 84,5 pontos para cidadãos, acima da média europeia (82,3), e 84,3 pontos para empresas, ligeiramente abaixo da média da UE (86,2). Apesar disso, a taxa de progresso é estável e alinhada com os objetivos nacionais.
A área da saúde digital se destaca: 88,1 pontos no acesso a registros médicos eletrônicos, colocando Portugal entre os líderes europeus, acima da média da UE (82,7) e bem posicionado para atingir a meta de 100% em 2030.
Além dos indicadores, vale ressaltar a aplicação Gov.pt, que simplifica a interação com a Administração Pública, e o crescente investimento em literacia mediática e proteção de menores no ambiente digital.
O Roteiro Nacional da Década Digital
Portugal apresentou em dezembro de 2024 um roteiro revisado com 157 medidas, 12 metas e 8 trajetórias, representando um avanço significativo em relação aos anos anteriores. O documento, com um orçamento de 2,15 mil milhões de euros (0,75% do PIB), foca em três eixos principais: competências digitais, administração pública digital e digitalização das empresas.
As atualizações estão alinhadas com as prioridades da Comissão em IA, soberania digital e simplificação, mas áreas como sustentabilidade, inclusão e competitividade ainda necessitam de maior atenção.
No que diz respeito a investimento, Portugal dedica 21% do PRR ao digital (4,5 mil milhões €) e 11% dos fundos de coesão (2,4 mil milhões €) a projetos digitais.
Recomendações da Comissão Europeia para Portugal
Com base na situação atual de Portugal em diversas frentes analisadas neste relatório, a Comissão Europeia recomendou um conjunto de ações para que Portugal:
- Inteligência Artificial: Acelerar a adoção pelas empresas e implementar as medidas planejadas.
- Cloud: Incentivar a utilização e avançar com infraestruturas soberanas.
- Competências Digitais: Combater o fosso social e territorial, visando a meta de 80%.
- Especialistas TIC: Aumentar a atratividade na área e elevar a ambição para alinhar-se com a meta europeia de 10%.
- PME: Reforçar a utilização de tecnologias avançadas (IA, cloud, analytics) em colaboração com o setor acadêmico e público.
- Start-ups e unicórnios: Melhorar o acesso a financiamento para scale-ups e I&D empresarial.
- Semicondutores e 5G: Continuar a investir em semicondutores e atribuir as bandas pioneiras de 5G.
- Transição Verde: Adotar uma estratégia integrada que relacione digital e sustentabilidade.
Conclusão: Da Reforma do Estado à Liderança Digital
Em um momento em que a competição entre mercados pela atração de empresas, investimentos e talento é cada vez mais intensa, é essencial investir em uma força de trabalho mais qualificada, com competências digitais avançadas, e em empresas mais competitivas e voltadas para a inovação. Nesse contexto, a estratégia do Governo para a digitalização e simplificação da Administração Pública se torna fundamental. O Ministério da Reforma do Estado, sob a liderança do Ministro Gonçalo Matias, atrásra com poderes ampliados para agir em institutos e direções-gerais, será crucial para garantir que a reforma administrativa resulte em processos mais ágeis, interoperáveis e digitais, capazes de atender melhor às necessidades dos cidadãos e de criar condições mais competitivas para as empresas.
Estamos no caminho certo para alcançar bons resultados na digitalização do país, mas precisamos transformar a ambição em ação. O futuro de Portugal depende de um único fator: a capacidade de execução — fundamentada na coragem política, na colaboração entre setores e no investimento contínuo em talento, inovação e modernização do Estado.
(*) Diretor Nacional de Tecnologia da Microsoft Portugal
