CNN Autárquicas 2025 – Este fim de semana, tive a oportunidade de moderar um debate sobre as eleições autárquicas. O evento não ocorreu em uma grande câmara do país, nem mesmo em um município de média ou pequena dimensão, mas em uma freguesia litorânea com pouco mais de 2500 habitantes.
Cinco candidatos (PS, PSD, CDS, CDU e Chega) se apresentaram a um auditório repleto de eleitores interessados em conhecer seus programas políticos. Isso é um bom sinal para aqueles que acreditam que o desinteresse e o afastamento das pessoas em relação à política estão crescendo.
Durante mais de duas horas, os candidatos tiveram uma chance única de expor suas visões sobre temas como saúde, educação, ação social, planejamento territorial, habitação e associativismo. Com mais ou menos dificuldades, alguns se saíram bem. Contudo, outros mostraram-se com pouca ou nenhuma noção da realidade da freguesia a que se candidataram, nem se deram ao trabalho de estudar a área e, evidentemente, não apresentaram propostas concretas para melhorar a vida da população. Houve até quem confessasse que não tinha interesse em ser presidente da junta. A razão pela qual aceitaram se candidatar permanece um mistério para mim.
Enquanto o debate acontecia e eu ouvia as respostas desarticuladas de alguns candidatos, refletia sobre quem nos representa e as escolhas que enfrentamos a cada eleição. O choque é ainda mais intenso ao resgatar memórias. Chamar de elite quem nos representa atualmente é quase um insulto aos deputados da Constituinte e às lideranças dos grandes partidos na primeira década após o 25 de Abril.
O que presenciei na campanha para uma pequena junta de freguesia é, na verdade, uma boa metáfora da atual classe política. É a evidência de que os partidos têm cada vez mais dificuldade em encontrar pessoas capacitadas internamente e perderam a capacidade de atrair talentos da sociedade civil que possam agregar valor.
O Chega é o exemplo mais claro e recente desse novo normal. O partido começou como uma agremiação de insatisfeitos e renegados de outros partidos, mas seu rápido crescimento eleitoral tornou o recrutamento ainda mais complicado. Com algumas honrosas exceções, o Chega, ao contrário de outros partidos de direita europeus, não tem conseguido atrair os melhores talentos em Portugal. Isso é perceptível em todas as eleições – André Ventura é candidato a praticamente tudo – e nas exigentes eleições autárquicas, isso se torna ainda mais evidente. O fato de o Chega estar lançando mais da metade de sua bancada parlamentar para essas eleições também mostra que, nas juntas de freguesia, muitas vezes, o critério utilizado é, simplesmente, o primeiro que aparece.
No entanto, não se enganem os que pensam que o Chega é o único responsável pela degradação da classe dirigente na política atual.
A bitola já era baixa e, se houve demérito de André Ventura, esse demérito foi o de baixá-la ainda mais, transformando o ressentimento de seus seguidores em um slogan político de grande sucesso.
Os sinais de alerta estão presentes há muito tempo e são anteriores ao surgimento do Chega. O distanciamento dos cidadãos da vida política se reflete nas altas taxas de abstenção, eleição após eleição, evidenciando a insatisfação dos eleitores com a sua representatividade. Quantos dos chamados dinossauros da política autárquica perceberam o que estava acontecendo e decidiram se candidatar novamente, anos depois, muitos deles como independentes?
Os partidos, especialmente o PS e o PSD, ignoraram os sinais, deixando a situação se agravar, e mesmo atrásra, quando a democracia está sob risco, parecem relutantes em agir. Pelo contrário, continuam a alimentar seus caciques, afastam vozes incômodas e se encerram cada vez mais em si mesmos. Aproveitam o poder enquanto podem, pois amanhã outros estarão no lugar e o problema não será mais deles.
Esse fechamento, juntamente com a toxicidade do espaço público, foi afastando progressivamente pessoas capacitadas, com experiência, que veem a política como um ato de nobrezas. Quem quer entrar na política hoje? Quem está disposto a abandonar sua carreira, ter sua vida exposta, arriscar perseguições e ainda perder dinheiro ao fim do mês? Quem ainda tem um sentido patriótico e de serviço público – e, felizmente, ainda há alguns – ou quem só percebe a política como uma forma de disfarçar sua falta de talento e mérito?
A reforma do sistema político e a revisão dos salários de cargos políticos é uma urgência nacional. Reconheço que essa opinião não é consensual, mas é a minha. Já deveria ter sido feita há muito tempo, mas acossados pelo populismo e enfraquecidos pela sua própria covardia, os dois partidos que governaram o país – exceto Rui Rio em sua liderança no PSD – hesitaram em abordar esses temas, pois isso poderia custar seu poder. E perder o poder é algo que não pode acontecer.
Assim, acabamos com políticos cada vez mais fracos, que, naturalmente, só podem promover políticas fracas. Os problemas do país foram se arrastando, agravando-se e tornando-se insustentáveis. Da saúde à educação, passando pela habitação e pela degradação da justiça, o país vai se encostando à parede: se os partidos democráticos não resolvem os problemas, restará à extrema direita populista galgar ao poder.
E é aqui que retomo o debate sobre a pequena junta de freguesia. No evento, que contou com cinco partidos, quatro deles fundadores da nossa democracia, apenas um teve um grupo devidamente identificado para apoiar seu candidato. Apenas um partido trouxe o seu candidato à câmara e aproveitou a oportunidade para fazer campanha. Apenas um partido apresentou uma caravana eleitoral para um auditório com quase 200 pessoas. Esse partido foi o Chega. PS, PSD, CDU e CDS, quatro partidos fundadores da nossa democracia, não se deram ao trabalho.
