Ângela Araújo
Vivemos numa época em que tudo é levado para o digital — seja por necessidade, tendência ou automatismo. A inovação passou a ser sinónimo de substituição. Se algo é novo, apaga-se o que já existia. Se é digital, presume-se que é melhor. Se é físico, considera-se ultrapassado.
Contudo, talvez estejamos a confundir velocidade com progresso, esquecendo que nem tudo o que é físico precisa ser reinventado — muitas vezes, basta que seja valorizado.
A obsessão por soluções “inteligentes” gerou um ambiente onde tudo deve ter um botão, um algoritmo ou uma app. De repente, a caligrafia parece desatualizada, os cadernos são vistos com nostalgia e o ensino presencial é quase um luxo vintage. Mas no meio desta digitalização acelerada, falta-nos fazer a pergunta certa: estamos a melhorar o que já existia ou apenas a apagá-lo?
Nem tudo que é analógico representa retrocesso, assim como nem tudo que é digital implica avanço.
A escrita manual, por exemplo, é uma das ferramentas cognitivas mais eficazes que temos. Auxilia o pensamento, a memória e a estruturação do raciocínio de forma profunda. É um gesto antigo que continua a provar seu valor — mesmo em tempos de toques rápidos e comandos de voz.
Eliminá-la em nome da eficiência é um erro. Integrá-la de forma inteligente, sim, é progresso.
O mesmo se aplica ao ensino presencial, aos livros impressos e ao toque nos objetos. Há uma inteligência silenciosa no físico — uma conexão emocional que não se reproduz num simples scroll. A verdadeira inovação não é a que substitui tudo, mas a que acrescenta sem apagar o que já existe.
É aqui que a tecnologia com propósito se torna relevante: aquela que surge para resolver um problema real, não apenas para “parecer inovadora”. É a que respeita comportamentos, contextos e rotinas. Não impõe novas formas de fazer, mas melhora as que já estão estabelecidas.
A tecnologia com propósito observa antes de agir. Não tenta reinventar a roda, mas aprimora o caminho. Não grita “disruptivo” sem razão, mas é projetada com base em perguntas fundamentais: Isto ajuda alguém? Isto respeita o tempo de quem aprende? Isto melhora o que já existia?
Não precisamos substituir o físico; precisamos reinventá-lo com inteligência, respeito e intenção.
Há objetos que merecem ser preservados. Há gestos que são essenciais. E há momentos em que a tecnologia deve aprender a escutar antes de agir. Porque apagar o passado nunca foi necessário para construir o futuro. A verdadeira inovação é aquela que acrescenta — sem se posicionar como substituta do que é fundamental.
Gestora de Marketing da Firmo
