No centro de controlo da Agência Espacial Europeia, em Darmstadt, na Alemanha, a tensão era evidente. As comunicações falhavam, os sinais de navegação desapareciam e o risco de colisão entre satélites aumentava a cada minuto. Por sorte, tudo era apenas uma simulação – uma das mais complexas até à data -, destinada a preparar o lançamento do satélite Sentinel-1D e a testar a capacidade da Europa de lidar com uma tempestade solar catastrófica.
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Desde meados de setembro, as equipas da ESA têm estado a participar numa série de exercícios que simulam os primeiros momentos após o lançamento de um satélite. A meta é clara e crucial: assegurar que, quando o Sentinel-1D for lançado, a 4 de novembro de 2025, nada fique ao acaso, mesmo em situações de emergência.
Para explorar os limites das operações espaciais, os organizadores da simulação basearam-se no evento de Carrington de 1859, a mais intensa tempestade geomagnética registada. Este evento histórico, causado por uma enorme erupção solar chegou a provocar incêndios em linhas telegráficas e iluminou o céu noturno com auroras visíveis até em regiões tropicais.
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A simulação começou como muitas outras: um lançamento bem-sucedido, uma separação limpa do foguetão e um silêncio expectante enquanto o centro de controlo aguardava o primeiro sinal do satélite. Minutos depois, um ruído estridente nas comunicações ativou o alarme. O satélite, assim como outros em órbita, tinha sido “afetado” por uma intensa labareda solar – neste caso, modelada por computador – com intensidade X45, capaz de desestabilizar todos os sistemas de radar, comunicações e navegação.
De repente, os sinais do GPS e do sistema europeu Galileo desapareceram. As estações terrestres, especialmente nas regiões polares, perderam a capacidade de monitorar os satélites devido aos níveis extremos de radiação. Pouco depois, uma segunda onda de partículas energéticas começou a afetar os circuitos eletrónicos, causando falhas temporárias e possíveis danos permanentes.
Conforme destacou Gustavo Baldo Carvalho, que liderou a simulação do Sentinel-1D, o cenário exigiu reações ágeis e precisas. Após o primeiro impacto, as equipas sabiam que tinham entre 10 a 18 horas até a chegada de uma ejeção de massa coronal – a etapa mais destrutiva de uma tempestade solar.
Quando esse “golpe final” atingiu a Terra, a simulação transformou-se em um verdadeiro pesadelo espacial. A atmosfera terrestre expandiu, aumentando o atrito sobre os satélites em órbita baixa e alterando suas trajetórias. O risco de colisões com detritos espaciais disparou. A ESA simulou múltiplos alertas, forçando os controladores a decidirem sobre a realização ou não de manobras evasivas.
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Segundo especialistas, uma tempestade solar real dessa magnitude poderia aumentar em 400% o arrasto atmosférico e reduzir significativamente a vida útil dos satélites. Além disso, a radiação intensa danificaria sensores e sistemas de orientação, cegando instrumentos essenciais e dificultando a interpretação das previsões de colisão.
Um evento desse tipo deixaria “todos os satélites em risco”, até os que orbitam mais perto da Terra, onde a proteção do campo magnético é maior.
Esse tipo de exercício é mais do que um simples aperfeiçoamento técnico para a Agência Espacial Europeia: trata-se de um investimento na resiliência europeia contra a “Big One”, a grande tempestade solar que, a qualquer momento, poderá ocorrer.
Realizar o exercício em um ambiente controlado permitiu coletar “informações valiosas sobre como reagir quando tal evento se tornar realidade.”
Enquanto isso, a ESA continua a desenvolver novas ferramentas para prever e mitigar os efeitos do clima espacial. Entre elas está o D3S – Distributed Space Weather Sensor System, uma rede de sensores e satélites voltada para a monitorização do Sol, e a missão Vigil, prevista para 2031, que observará o sol a partir de uma perspectiva lateral única, oferecendo alertas antecipados sobre futuras tempestades.
