O crítico gastronômico Edgardo Pacheco, que mediou a discussão durante o lançamento do vinho “Destemido”, enfatiza a importância desta união, afirmando que “o vinho está sob ataque, existem movimentos que tentam criminalizar o vinho, e a forma de contrariar isso é a associação entre o vinho e a arte”.
O mais recente vinho da Casa Ermelinda Freitas, intitulado “Destemido”, tem um preço de 850€ a garrafa e foi produzido em uma edição limitada de apenas 2.025 unidades, sem possibilidade de nova produção. A escolha do nome não foi aleatória; é uma homenagem de Leonor Freitas ao pai: “quando pensamos em um nome para homenageá-lo, o que me veio à cabeça foi que o meu pai era destemido”.
Essa ameaça ao setor é refletida nos dados do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), que indicam uma queda na produção em 2024/25, que alcançou 6,9 milhões de hectolitros, representando uma diminuição de 8% em relação à campanha anterior. Diante dessas informações, Leonor Freitas admite o investimento na marca, mas reconhece que o projeto é sobretudo simbólico: “não sei se vou ganhar ou perder dinheiro com este vinho, quero que ele se imponha”, enfatizando que “Destemido” pretende mostrar que a Península de Setúbal “ainda tem muito a oferecer”.
Essa decisão é especialmente simbólica em um momento em que a região parece ser uma das mais afetadas pela crise no setor. A produção na Península de Setúbal teve uma queda significativa, passando de quase 600 mil hectolitros na campanha anterior para pouco mais de 450 mil hectolitros. Além disso, a região pode refletir uma crise mundial, pois, segundo a Organização Internacional da Vinha e do Vinho, a produção global variou entre 227 e 235 milhões de hectolitros, o número mais baixo desde 1961.
O enólogo da Casa Ermelinda Freitas, Jaime Quendera, alerta que “a qualquer dia não haverá vinhas velhas em Portugal, porque se não forem valorizadas, tornam-se inviáveis”. Ele também menciona que “Destemido” é um produto premium, com potencial de duração mínima de 20 anos.
O projeto do vinho contou com a colaboração da artista plástica Olga Noronha, responsável pelo rótulo e pela identidade visual da garrafa. Ela explica que a ligação entre arte e vinho é emocional e familiar, e que o rótulo de “Destemido” possui segredos, como o contorno em anamorfose da Península de Setúbal, que é desenhado para parecer uma asa em movimento. A caixa foi concebida como um relicário, reforçando a ideia de que o vinho “é a joia da coroa da Casa Ermelinda Freitas, por ser o melhor vinho que a casa já produziu”.
De acordo com Edgardo Pacheco, essa combinação pode ajudar a “contrariar” os desafios do setor. Olga Noronha também quis quebrar a tradição no design: “a minha ideia foi não estar confinada a um rótulo de papel”. O resultado foi um rótulo metálico dourado, recortado manualmente, que se projeta para fora da garrafa, criando uma dimensão escultórica que destaca a singularidade do vinho e torna o processo de produção mais demorado, ao invés de ser mecanizado.
Para a artista, esse vinho materializa “os verdadeiros princípios da Casa Ermelinda Freitas, que é o sentir e o fazer sentir”. O processo de rotulagem, totalmente manual, também explica a exclusividade do produto: “todas as garrafas são únicas e diferentes entre si, existem cerca de 600 garrafas executadas neste momento”, contou. A proprietária da casa, Leonor Freitas, afirmou que não acredita que alguém vá descartar essa garrafa.
Mais do que um vinho, “Destemido” foi apresentado como um manifesto de liberdade criativa e ousadia. “Eu queria que fosse um vinho diferente, que marcasse, um vinho de luxo da Casa Ermelinda Freitas”, destacou Leonor Freitas, acrescentando que “já não é preciso ir à França para comprar um vinho caro, o ‘Destemido’ vem dignificar as vinhas da casa e da região de Setúbal”.
A proprietária também desejou resgatar a memória de Manuel João de Freitas Júnior, cofundador da casa, destacando seu papel, pois acreditava que “acabou por ficar um pouco esquecido no meio de mulheres muito fortes” da família, já que “isto é uma casa de mulheres, fala-se sempre nas mulheres”.
Para Leonor Freitas, “Destemido” representa mais do que uma homenagem familiar; é uma declaração de legado: “este vinho prolonga o legado de Ermelinda Freitas, é preciso ver que Manuel João de Freitas Júnior era o marido da dona Ermelinda, era um compromisso que eu tinha comigo mesma”.
