Quantas vezes, enquanto consumidores, notamos que o preço de um produto aumenta, acompanhado de justificativas como condições de produção mais difíceis ou escassez de matéria-prima? Mesmo que não gostemos do aumento, parece-nos natural quando se trata de azeite, ovos, água engarrafada ou outros produtos que pesam no orçamento. Contudo, esquecemos de aplicar a mesma lógica quando falamos da água da torneira.
No setor de abastecimento urbano de água em Portugal, estão a ocorrer mudanças similares, com os custos de produção a aumentarem significativamente, superando a inflação. Além disso, as alterações climáticas estão a impor investimentos e operações cada vez mais onerosas. No entanto, do ponto de vista do consumidor, o resultado é oposto: o impacto da fatura de água no orçamento familiar está a diminuir.
Vamos analisar os números. Anualmente, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos publica um relatório que analisa o setor em profundidade – embora com um certo atraso, já que o relatório de 2025 incluirá dados de 2023. O documento mais recente revela que os custos totais do ciclo urbano da água em baixa, que incluem o abastecimento e o saneamento destinados ao consumidor, ascenderam a 1.740 milhões de euros.
Excluindo as entidades que não apresentam contas à ERSAR devido a má gestão, é possível observar que, nos últimos cinco anos, os custos do setor aumentaram mais de 20%, representando um crescimento 50% acima da inflação.
Por outro lado, a fatura para os consumidores mostra um cenário inverso. No mesmo período, para os utilizadores domésticos, a fatia da fatura correspondente a estes serviços no orçamento familiar reduziu-se para 0,6%. Os resultados são dois – ambos esperados, mas insustentáveis a médio prazo.
De um lado, o consumo de água aumentou 1,5% ao ano para os utilizadores não domésticos e 2% ao ano para os domésticos. Diante de todos os desafios de escassez e seca que o país enfrenta, este aumento de consumo não é animador. Por outro lado, a disparidade entre receitas e despesas do setor tornou-se ainda mais evidente, com um déficit médio anual que chega a 90 milhões de euros.
Como se consegue manter a atividade nessa situação? Adiando investimentos críticos e cobrindo as lacunas com subsídios e impostos – em última análise, os cidadãos acabam por pagar, não como consumidores com a possibilidade de serem mais eficientes, mas como contribuintes, independentemente de consumirem mais ou menos água.
É importante notar que essa abordagem não é viável para todos os operadores do setor, especialmente para os privados cujas tarifas são determinadas em concursos públicos, mas é uma realidade em mais da metade do país. Em 2023, havia 143 concelhos em que o valor faturado não cobria os custos, e 14 que não apresentavam dados. É fácil perceber que, nesses 157 concelhos, a “fatura” é suportada por outros recursos.
Por tudo isso, a insustentabilidade económica e ambiental torna-se um dos maiores desafios enfrentados pelo setor da água em Portugal. A resolução desse problema passa por algo que, curiosamente, já está previsto em lei, mas é ignorado sem consequências. Refiro-me ao Princípio do Utilizador-Pagador, que estabelece a reflexão sobre o custo real dos serviços de abastecimento de água e gestão de águas residuais nas faturas dos serviços ambientais.
É essencial que este Princípio seja, de fato, obrigatório e aplicado a todas as entidades do país. Apenas assim será possível tornar as tarifas mais justas para os consumidores e minimizar as disparidades entre os municípios. No entanto, essa é uma opção impopular, pois, em muitos casos, implicará um aumento tarifário que causa descontentamento. Contudo, é a única forma de garantir a sustentabilidade do setor, permitindo receitas que cubram os custos crescentes e investimentos na modernização, que são ainda mais escassos do que a própria água.
Não se trata de pagar mais. A questão é pagar o que é justo, para garantir o futuro de todos e preservar o meio ambiente, de acordo com o que realmente se consome.
